Autor: Mario Arthur Favretto
Um
dos problemas mais comuns em relação às ditas medicinas alternativas e/ou
complementares, aos naturólogos e também aos nutricionistas é a aparente falta
de conhecimento por parte de alguns (não vou generalizar) destes profissionais
sobre o método científico e sobre cuidados para realização de um bom
experimento que possua boas bases estatísticas. E sobre como estas
características influenciam em suas respectivas afirmações relacionadas à saúde
das pessoas. É comum observarmos as pessoas fazendo associações de falsa
correlação e também de correlações espúrias para justificar que um determinado
alimento ou produto faz mal e outro faz bem. Não que esse problema também não
ocorra em outras formações, como muitos de meus colegas de formação (biólogos),
por exemplo.
É
bem comum encontrarmos a afirmação de que refrigerantes de cola (e.g.
coca-cola, pepsi, etc) vão corroer os ossos da pessoa, e como base para isso
usam o exemplo de deixar um osso de galinha dentro de um copo com estes
produtos, e após um tempo, este estaria parcialmente deteriorado ou
emborrachado. A coca-cola tem um pH de em média 1,78, podendo chegar 3 (Skupien
et al,, 2009), enquanto o pH médio do estômago é em média 2 (Tortora &
Gabrowski, 2006), afinal, temos ácido clorídrico no estômago. Ou seja, o maior
risco poderia ser em efeitos destes refrigerantes sobre os dentes e não sobre
os demais ossos do corpo, tendo em vista que estas bebidas não vão entrar em contato com eles e há ácido de igual potência e em alguns casos mais forte no estômago. Salvo
algum efeito prejudicial de outras substâncias presentes nestas bebidas, mas no
assunto em questão, a afirmação aparenta ser um tanto quanto exagerada.
Essa
afirmativa seria o mesmo que dizer que como o oxigênio provoca oxidação
(ferrugem) de barras de ferro, não deveríamos deixá-lo entrar em contato com o
nosso corpo. Afinal, se enferruja algo forte como o ferro, o que o oxigênio
poderia fazer com nossos pulmões? Ou seja, só porque algo é prejudicial em
certos aspectos ou para certos materiais, não significa que também o será para
nosso organismo. Devemos analisar o contexto de real aplicação à nossa saúde,
ninguém vai deixar de respirar só porque oxigênio participa do processo de
“enferrujar” ferro.
Figura 1. “Isto é ferrugem. Ela é
causada pelo oxigênio e se chama oxidação. Nós respiramos oxigênio todos os
dias. Se ele pode fazer isso com uma corrente, então imagine o que ele pode
fazer para os seus pulmões. Compartilhe para aumentarmos a consciência sobre os
perigos do oxigênio.”
De
mesma forma que nem tudo que parece ser ruim em um alimento vai nos prejudicar,
nem tudo que ele tem de bom vai nos beneficiar. Exemplificando, em relação ao
uso de suplementos vitamínicos e minerais, nosso organismo não possui um
mecanismo para armazenar muitas dessas substâncias e, algumas das que são
absorvidas, quando em excesso, também podem fazer mal. Aprofundando esse
exemplo, sobre o consumo de cálcio como suplemento alimentar para reduzir os
efeitos da osteoporose, será que realmente funciona? O armazenamento do cálcio
ou não nos ossos e seu uso em outras atividades do corpo é controlado por
hormônios, como hormônio paratireoideo, calcitonina e calcitriol (vitamina D;
Tortora & Gabrowski, 2006).
Estes
hormônios em conjunto vão definir quanto de cálcio dos ossos será liberado na
corrente sanguínea para atividades do corpo, quanto será reabsorvido para os
ossos e quanto será absorvido nos intestinos a partir dos alimentos (Tortora
& Gabrowski, 2006). Assim, se não houver um controle hormonal, não haverá a
absorção e deposição do cálcio nos ossos, tornando o consumo excessivo de
cálcio ineficiente. Isto também é o que apontam revisões sistemáticas e
meta-análises que indicam certa controvérsia sobre a real eficiência no consumo
de cálcio, e que aparentemente seu consumo pode resultar em mais efeitos
benéficos quando em conjunto com suplemento de vitamina D (Borrelli &
Ernst, 2010). Ou este tratamento combinado com exercícios físicos, que podem
colocar os ossos em uma situação de estresse, responsável por aumentar a
deposição de cálcio em suas estruturas (Tortora & Gabrowski, 2006; Borrelli
& Ernst, 2010).
Além
disso, essas questões também levantam dúvidas. Considerando que se muitos
problemas de pedras nos rins resultam no acúmulo de sais minerais, tal formação
poderia resultar deste consumo excessivo de cálcio? Bem, em excesso, a
suplementação de cálcio e vitamina D pode realmente pode resultar na formação
deste problema (Gallagher et al., 2014; Letavernier
et al., 2016). Ou seja, ao invés de melhorar uma situação, o uso
descontrolado de produtos complementares pode piorar a saúde das pessoas.
Desta
forma, é possível perceber que, apesar do que é pregado por certos
profissionais da saúde de que para tudo existe uma definição rígida daquilo que
é saudável ou prejudicial, o limiar entre estas duas situações parece ser muito
mais tênue. Um refrigerante que é visto como um vilão, em pouca quantidade pode
ser inofensivo. Enquanto que a ingestão de suplementos de sais minerais e
vitaminas, vistos como produtos altamente benéficos, podem resultar em
problemas de saúde. Nestas situações, talvez a melhor solução seja uma variação
de uma frase atribuída à Paracelso que diz: “todas as substâncias são venenos;
não existe uma que não seja veneno. A dose certa diferencia um veneno de um
remédio”. Mas, é claro, tal dose depende de que tipo de produto se está
falando.
Referências:
Borrelli, F.; Ernst, E.
2010. Alternative and complementary therapies for the menopause. Maturitas 66: 333-343.
Gallagher, J.C.; Smith,
L.M.; Yalamanchili, V. 2014. Incidence of hypercalciuria and hypercalcemia
during vitamin D and calcium supplementation in older women. Menopause 21(11):
1173-1180.
Letavernier, E.; Verrier,
C.; Goussard, F.; Perez, J.; Huguet, L.; Hayman, J.P.; Baud, L.; Bazin, D.;
Daudon, M. 2016. Calcium and vitamin D have a synergistic role in a rat model
of kidney stone disease. Kidney International 90(4): 809-817.
Skupien, J.A.; Bergoli,
C.D.; Pozzobon, R.T.; Brandão, L. 2009. Avaliação do pH de
refrigerantes do tipo normal e light.
Saúde 35(2): 33-36.
Tortora, G.J.; Gabrowski,
S.R. 2006. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. Porto Alegre:
Artmed. 718p.