Autor: Mario Arthur
Favretto
Estima-se que do começo do século 20 até
a década de 1970 cerca de 300 milhões de pessoas morreram de varíola, após
diversas campanhas de vacinação essa doença foi erradicada do mundo e apenas um
caso foi registrado após 1978 (Burton, 2002). Entretanto, sempre em épocas de
vacinação ouvimos os velhos comentários em meio à população, que vacinas fazem
mal, que são uma conspiração do governo para eliminar certos grupos da
população.
Muito disso vem devido ao
desconhecimento da população sobre a ciência e sobre biologia, neste caso,
sobre o funcionamento das vacinas e sobre o próprio funcionamento do corpo
humano. Alia-se a estas questões o fato de muitas pessoas não visualizarem mais
casos de muitas das doenças para as quais elas são imunizadas, assim deixando
de dar a devida importância às vacinas.
Mas como funcionam as vacinas? As
vacinas são feitas com vírus ou bactérias mortos ou atenuados (enfraquecidos) e
que assim não resultarão no desenvolvimento da doença nas pessoas que receberão
a dose em seus corpos. Elas servem, dizendo de forma bem simples, para
treinarmos o nosso sistema imunológico a lutar contra infecções causadas por
vírus ou bactérias. Quando injetamos esse material em nosso organismo isto
desencadeia uma reação de nosso sistema imunológico que vai “lutar” contra o
material e durante esse processo vai fazer um reconhecimento e criar células
especiais que vão memorizar como eram esses vírus e bactérias que foram
injetados no corpo, mesmo eles estando mortos e/ou fragmentados (Burton, 2002;
Sallusto et al., 2010).
Criada essa memória em nosso sistema
imunológico, quando por algum infortúnio formos infectados com um vírus ou
bactéria vivos, seja pelo vírus da gripe Myxovirus influenzae ou
pela bactéria do tétano Clostridium
tetani, nosso sistema imunológico reconhecerá o patógeno. Esse reconhecimento será feito mais
rapidamente e devido à memória imunológica também produzirá anticorpos de forma
mais rápida e eficiente não permitindo que os patógenos se proliferem pelo
corpo, evitando, dessa forma, o desenvolvimento da doença e seus sintomas
(Burton, 2002; Sallusto et al., 2010).
Como injetamos um material estranho em
nosso corpo, as vacinas podem resultar em efeitos adversos? Muitas pessoas
acham que algumas vacinas (tríplice viral) poderiam causar autismo em crianças,
porém essa crença não tem fundamento, mais de 20 estudos epidemiológicos
realizados em diferentes países mostraram que elas não causam esse problema nas
crianças, o autismo não é ocasionado por nenhuma reação do sistema imune
(Gerber & Offit, 2009). O autismo é hereditário e uma de suas principais
causas é genética, associada com questões ambientais e epigenéticas (Hall
& Kelley, 2014).
Efeitos adversos sempre poderão ocorrer,
mas possuem efeitos menores sobre o corpo da pessoa do que se ela adquirisse
alguma doença que poderia ter evitado tomando uma vacina (Brasil, 2014).
Afinal, todo medicamento que uma pessoa ingere pode resultar em efeitos
adversos, desde uma “simples” aspirina (ácido acetilsalicílico), que, conforme
a bula indica, em doses elevadas foi registrado que 10 a 20% dos pacientes
tiveram náusea, vômito e dor gástrica, e hemorragias ocultas em 70% dos
pacientes. Ou o paracetamol, que também conforme indica a bula, devido a sua
hepatotoxicidade (ser tóxico para o fígado) em casos muito raros pode resultar
em “êxito letal” (morte) e também reações de hipersensibilidade (erupções
cutâneas, urticárias, eritema, etc.).
Ou a dipirona, que pode resultar em
reações alérgicas e em casos raros em agranulocitose, uma redução dos glóbulos
brancos do sangue, que em casos graves pode resultar no aparecimento de feridas
em mucosas, no intestino, na garganta e na pele, representando risco de vida.
Até mesmo os tão venerados remédios naturais podem resultar em diversas reações
que colocam em risco a vida das pessoas (ver links de blogs nas referências:
Favretto, 2015; Santos, 2016; Orlandin, 2016). Ou seja, riscos muitas vezes
maiores do que os das próprias vacinas.
Porém no momento de dor e sofrimento não
pensamos duas vezes em usar os remédios para melhorarmos nossa saúde
independente de possíveis reações adversas, mas como as vacinas são para a
prevenção, talvez a ausência de sofrimento e dor por doenças seja uma das
motivações de resistência por parte das pessoas. Então se você é uma destas que
não aprecia vacinas olhe para as fotos abaixo, muitas dessas fotos são de
doenças para as quais tomamos vacinas para ficarmos imunizados. Aposto que muitas
delas você nem imaginava como seriam.
Figura
1. Paciente sofrendo fortes espasmos musculares causados pelo tétano. Fonte:
Charles Bell (1809).
Figura
2. Criança com sequela da poliomielite (paralisia infantil) em sua perna.
Fonte: CDC (1994).
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Figura
3. Paciente com varíola. Fonte: John Noble Jr – CDC (1967).
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Figura 4. Criança com rubéola.
Fonte: Jim Goodson – CDC (2014).
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Figura 5. Criança com difteria.
Fonte: Barbara Rice – CDC.
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Após olhar as fotos, retornemos
novamente ao ponto do não encontro com casos de pessoas doentes, isto nos
remete a algo emocional, como as pessoas não veem mais o sofrimento causado por
muitas dessas doenças, suponho que elas acabaram se esquecendo do mal que elas
ocasionavam. Por exemplo, há muitas décadas que não temos mais casos de
poliomielite no Brasil, e muitas outras doenças infantis possuem um número
bastante reduzido de casos. É possível que essa aparente seguridade de ausência
de doenças dê uma falsa impressão às pessoas de que estes males não retornarão.
No entanto, com o avanço de movimentos
antivacina e da falta de elucidação sobre as vacinas, diversas pessoas podem
começar a recusar este recurso, especialmente em épocas de mídias sociais em
que teorias conspiratórias sem fundamento algum se espalham rapidamente.
Levanto a hipótese de que se as campanhas de vacinação apresentassem de forma
mais clara visualmente os sintomas das doenças, como nas fotos acima, é
possível que mais pessoas se prontificassem a tomar vacinas. Simplesmente apresentar
um grupo de sintomas abstratos e textos escritos para uma população que possui
um elevado percentual de analfabetos funcionais e científicos pode não ser o
bastante para manter o desempenho de campanhas de vacinação. Infelizmente, como
muitos movimentos antivacina apelam para a emoção das pessoas, também resta
para as ações pró-vacina não apenas mostrar os dados científicos, mas também
fazer esse apelo. Afinal as pessoas se identificam e tem mais empatia com um
indivíduo visível do que com números (Pinker, 2013), fato que pode resultar em
melhores resultados de campanhas de imunização.
Referências
Brasil.
2014. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de
Vigilância Epidemiológica de eventos adversos pós-vacinação. Brasília: Ministério
da Saúde. 250p.
Burton, D.R. 2002. Antibodies, viruses and vaccines. Nature
Review, Immunology 2: 706-713.
Favretto,
M.A. 2015. A farsa dos sucos Detox e os riscos da fitoterapia. Ciência &
Liberdade, link http://cienciaeliberdade.blogspot.com.br/2015/06/a-farsa-dos-sucos-detox-e-os-riscos-da.html
Gerber, J.S.; Offit, P.A. 2009. Vaccines and autism: a
tale of shifting hypotheses. Clinical Infectious Diseases 48: 456-461.
Hall, L.; Kelley, E. 2014. The contribution of
epigenetic to understanding genetic factors in autism. Autism
18: 872-881.
Orlandin,
E. 2016. Os perigos da ingestão de medicamentos naturais. Ciência &
Liberdade, link http://cienciaeliberdade.blogspot.com.br/2016/05/os-perigos-da-ingestao-de-medicamentos.html
Pinker,
S. 2013. Os anjos bons da nossa natureza: por que a violência diminuiu. São
Paulo: Companhia das Letras. 1087p.
Sallusto,
F.; Lanzavecchia, A.; Araki, K.; Ahmed, R. 2010. From vaccines to memory and back. Immunity 33:
451-463.
Santos,
E.B. 2016. É seguro beber suco verde (detox)?. Emagrecendo Cons(Ciência), link http://emagrecimentocomciencia.blogspot.com.br/2016/01/e-seguro-beber-suco-verde-detox.html