Autor: Mario Arthur Favretto
Sempre
escutamos que precisamos tomar ao menos dois litros de água por dia, ou que
quanto mais água tomarmos melhor, ou ainda, que devemos sempre ficar bem
hidratados. A origem destas informações é obscura, e muitas vezes se baseia na
ideia de que água não faz mal, independente da quantidade. Tratando-se, pois,
de uma informação errônea.
Quanto
exatamente de líquidos nós precisamos? Bom, uma estimativa média é de que
absorvemos por meio de líquidos em média 1600 ml, de alimentos 700 ml, e mais
água metabólica de reações químicas do corpo, 200 ml, uma ingestão (em média)
diária de 2500 ml. E como perdemos essa água? Excretamos em média nas fezes 100
ml, expiramos pelos pulmões 300 ml, evapora-se da superfície da pele 600 ml, e
na urina 1500 ml. Assim, nosso organismo mantém certo equilíbrio hídrico1.
Estes valores são aproximações médias, em geral cálculos de desidratação e
hidratação são baseados na massa corpórea da pessoa2. Porém
aparentemente alguém viu esse valor total de líquidos ingeridos e produzidos
pelo corpo e passou a disseminar a ideia de ingestão de 2 litros de água por
dia.
Mas
devemos ficar tomando e tomando água constantemente? Bom, a princípio, se não
há algum problema de saúde que possa prejudicar o equilíbrio hídrico de nosso
corpo e a forma como ele regula sua homeostase, o próprio organismo produz
sinais indicativos da necessidade de ingestão de água. Em nosso corpo o
hipotálamo controla a sede, por meio da detecção de alterações na pressão
osmótica nos tecidos corporais (ou seja, se eles estão com água suficiente ou
se estão murchando, faltando perdendo água1.
Um
desses sinais utilizados pelo hipotálamo é a diminuição do volume sanguíneo,
que causa uma queda da pressão sanguínea; isso estimula os rins a liberar
renina (uma enzima), que promove a produção de angiotensina II (um peptídeo).
Os osmorreceptores no hipotálamo, que detectam as variações na pressão
osmótica, e o aumento da quantidade de angiotensina II no sangue estimulam o
centro de sede do hipotálamo a produzir essa sensação, um alerta de que o corpo
deve ingerir mais líquidos1, 3.
Os
neurônios na boca também detectam a secura nesta parte do corpo devido ao fluxo
reduzido de saliva, então aumentando a sensação de sede. Em pessoas idosas ou
crianças essa sensação pode ser mais lenta do que a necessidade do corpo, daí
serem grupos que demandam maiores cuidados com a hidratação1, 3.
Além disso, o processo de desidratação pode ser mais rápido em dias com
temperatura muito elevada ou muito baixa (quando o ar também pode ficar mais
seco), podendo em alguns casos levar a pessoa ao óbito caso não tenha cuidado
para manter-se hidratada4.
Porém
nem tudo é um paraíso na água. Quando uma pessoa consome água constantemente,
de modo mais rápido do que os rins podem excretá-la (a taxa máxima do fluxo de
urina é cerca de 15 ml/min) ou quando sua função renal é deficiente, a
diminuição da concentração de Na+ (íons sódio) do líquido intersticial (líquido
localizado entre as células) faz a água passar, por osmose, desse líquido para
o fluído intracelular1. Fato que pode resultar na intoxicação por
água, um estado em que a água corporal excessiva leva as células a incharem
perigosamente, produzindo convulsões, coma e, eventualmente, morte. Por isso
que para evitar essa terrível sequência de eventos a terapia de reidratação
oral ou endovenosa inclui uma pequena quantidade de sal1, 5.
Com
estas informações percebemos que na ausência de problemas de saúde o próprio
organismo trata de regularizar sua hidratação e que muitas vezes, dadas as
circunstâncias, o excesso de água pode ser tão
prejudicial quanto sua falta, ao contrário do que muitas dietas podem pregar,
alegando que água é fonte de apenas benefícios e esquecendo-se de que muitas
vezes o que diferencia o remédio do veneno é a dose.
Referências:
1 - Tortora, G.J.; Gabrowski, S.R. 2006. Corpo humano: fundamentos
de anatomia e fisiologia. Porto Alegre: Artmed. 718p.
2 – Cheuvront,
S.N.; Kenefick, R.W. 2014. Dehydration: physiology, assessment, and performance
effects. Comprehensive Physiology 4: 257-285.
3 - Thomas,
D.R.; Cote, T.R.; Lawhorne, L.; Levenson, S.A.; Rubestein, L.Z.; Smith, D.A.;
Stefanacci, R.G.; Tangalos, E.G.; Morley, J.E. 2008. Understanding clinical
dehydration and its treatment. The Journal of Post-Acute and Long-Term Care
Medicine 9(5): 292-301.
4 - Lim, Y.H.;
Park, M.S.; Kim, Y.; Kim, H.; Hong, Y.C. 2014. Effects of cold and hot
temperature on dehydration: a mechanism of cardiovascular burden. International Journal of Biometeorology 59(8): 1035-1043.
5 – Évora, P.R.B.; Reis, C.L.; Ferez, M.A.; Conte, D.A.; Garcia,
L.V. 1999. Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolitico e do equilíbrio
acidobásico – uma revisão prática. Medicina 32: 451-469.