Mario Arthur Favretto
Recentemente
ganharam repercussão os cortes de verbas em instituições relacionadas à ciência
no Brasil, ao menos em alguns meios, considerando a falta de interesse da
população brasileira pelo assunto. Porém, há um problema mais profundo nesta
situação, algo que está além do recebimento de dinheiro do governo para pagar
bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado (ou financiamento de
pesquisa básica). Digo esses aspectos de bolsas, porque aqui a maior parte da
ciência é realizada em universidades. Porém essa situação criou no Brasil um
sistema que em última análise é insustentável em longo prazo.
Desde
a graduação alunos de áreas como, por exemplo, ciências biológicas são orientados
a seguirem carreira acadêmica; ao longo desse caminho é incutido na cabeça das
pessoas que as formações da pós-graduação abrirão portas de trabalho para elas.
Mais especificamente que após fazer mestrado e depois um doutorado terão uma
vaga como professor universitário esperando por elas. Nesse ponto já começa o
problema, considerando que para ser professor universitário é necessário ter
título de doutor, assim o mestrado torna-se apenas um meio termo, de dois anos
de vida em banho-maria. Ou para outros apenas como uma opção de ter alguma
renda durante dois anos a mais.
Percebe-se
pouca ligação em alguns cursos de graduação e o pós-formado, resultando em uma
leva de mão de obra com um diploma, mas que não atua em sua área de formação. Isso
resulta em difamação de alguns cursos por parte de seus alunos formados e
pessoas especializadas não atuantes. Muitos nem mesmo sabem como conseguir
emprego em sua área de formação ou iniciar um empreendimento ou ideia com o
conhecimento que adquiriu durante sua formação. Infelizmente isso parece ser um
reflexo da cultura que temos no Brasil, uma cultura de pouca iniciativa, onde
queremos receber tudo pronto do exterior, sendo a eterna colônia. Desta forma,
muitos optam por seguir a carreira acadêmica como forma de ter uma renda, assim
temos uma grande quantidade de pessoas nesse meio que apenas seguem o barco,
dois anos de mestrado, quatro de doutorado, renda garantida durante seis anos.
E após?
Infelizmente
não há vagas em todas as universidades para receber toda essa leva de doutores
como professores após sua obtenção do título. Para então atuarem na formação de
ainda mais mestres e doutores, que atuariam onde? Na universidade também,
criando um crescimento quase exponencial, de doutores se formando para serem
professores universitários, almejando formar mais doutores (pois muitos
professores-pesquisadores não apreciam orientar alunos de graduação devido à
pesquisa bastante básica que estes fazem). E o “após” que mencionei antes? Pós-doutorado,
bolsa após bolsa de pós-doutorado devido à falta de inserção no mercado de
trabalho. Quem acompanha concursos públicos para docentes em instituições
federais deve ter percebido nos últimos anos o grande aumento no número de
candidatos para essas vagas.
O
meio acadêmico precisa urgentemente mudar esta forma que se mantém, os
bolsistas viram mão de obra informal daqueles que já estão dentro do meio
acadêmico e não conseguem ter uma perspectiva de futuro profissional. Vejam,
por exemplo, as recentes notícias referente aos danos mentais gerados por este
meio acadêmico em muitas pessoas. A visão de bolsistas sendo formados como
futuros professores está ultrapassada, novos modelos devem ser adotados, se é
necessário manter a ciência brasileira funcionando, o que chamamos de
bolsistas, precisariam ser convertidos em pesquisadores/cientistas em si. Com
vínculo empregatício e tendo liberdade de atuarem em suas pesquisas ou nas
instituições em que forem trabalhar, não sendo apenas mão de obra de
professores e nem vagando no meio acadêmico de bolsa em bolsa sem uma
perspectiva de futuro. Sem férias, sem décimo terceiro, sem contribuição para
previdência social.
Porém,
há um ponto ainda mais nevrálgico que precisa ser tocado. Quando caminhoneiros
foram prejudicados com o recente aumento do preço do diesel, a população se
revoltou, saiu às ruas, pararam o país. Por que isso? Conhecem a realidade dos
caminhoneiros? Ou a gasolina afeta a todos havendo um ponto de interesse
particular e egoísta em usar os caminhoneiros como linha de frente para que
todos pudessem se aproveitar? Mas quando há situação que afeta a ciência
brasileira, quem se importa? Apenas aqueles já inseridos no meio ou alguns com
um pouco de senso de importância da ciência em si. Isso levanta uma importante
questão.
A
realidade de que não há apoio popular para ciência no Brasil. Isso em grande
parte é devido ao fato de a grande maioria dos pesquisadores ficarem presos em
suas torres aristocráticas sem divulgar o que ocorre por detrás das portas das
universidades e instituições de pesquisa. Divulgação apenas em internet alcança
apenas certo número de pessoas que sabe ao menos buscar as informações. Mas
como alcançar as grandes maiorias silenciosas? O dito “cidadão médio”? Como
demonstrar para este contribuinte que o dinheiro dos impostos dele está sendo
bem investido em ciência no seu país? Como demonstrar para estas pessoas que
suas vidas dependem da ciência básica e aplicada, tanto quanto sua rotina
depende de gasolina/diesel? Afinal, quem produziu os automóveis e seu
combustível, e toda tecnologia que eles possuem?
A
população precisa ter um respaldo e um entendimento do que ocorre em
instituições que realizam pesquisa científica, para que então possa realmente
haver um apoio da população para com a ciência. A maioria das pessoas que mora
em cidades com instituições de pesquisa ou universidades nem mesmo imagina o
que é feito nestes locais, acreditam que seja apenas um local para receber
diploma. Sem conhecer, não há como haver valorização.
Se
os pesquisadores brasileiros querem continuar recebendo verbas do governo,
precisam urgentemente conquistar o apoio populacional. Para acabar com essa
visão de Brasil colônia de que ciência e tecnologia de qualidade são apenas
importados, é necessário mostrar para a população o que está sendo criado aqui
mesmo. Claro que isso gera outros problemas: a aplicação desse conhecimento e
tecnologia daqui no cotidiano da população, sua inserção no meio comercial,
enquanto concorrente de ciência e tecnologia importante. Mas isso é assunto
para outro texto...
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