Autor: Mario Arthur Favretto
A grande maioria das pessoas já
experimentou em alguma parte da sua vida uma sensação de que algo que ocorreu
em um certo momento já havia acontecido antes ou de que ela já tinha visto
aquilo antes em outra ocasião e o momento seria apenas uma mera repetição.
Comumente esta sensação é denominada de “déjà vu” do francês, e significa “já
visto” ou “já foi visto”. Porém a maioria das pessoas, por falta de um
aprofundamento no conhecimento científico e, às vezes, por não saber onde
encontrar informações confiáveis sobre o assunto, prefere aceitar a ideia de
que isto seria alguma forma de ocorrência sobrenatural.
Como sempre as pessoas parecem
querer encontrar o máximo possível de confirmações para suas crenças e anseios
pela existência do sobrenatural, muito provavelmente derivado do medo da morte
e de uma negação de que a vida possui um fim. Portanto, o déjà vu acaba por
também ser usado para estas confirmações, com alguns grupos religiosos-místicos
e alguns pseudocientíficos afirmando que a sensação de déjà vu é realmente algo
que já ocorreu, mas em vidas passadas ou que são poderes de telepatia. Assim,
para estes grupos, tal fenômeno neurológico seria uma confirmação de seus
anseios pelo sobrenatural.
Porém, a ciência é mais bela do
que o sobrenatural, que longe de ser uma resposta é apenas um consolo. Dizer
que isto é fruto de vidas passadas e do sobrenatural traz mais perguntas do que
respostas: existe uma alma? Se nossas memórias são armazenadas de forma
bioquímica no cérebro, como podem interagir com algo imaterial e depois que a
pessoa se decompôs em uma vida passada, voltar a agir novamente com a matéria
de seu corpo atual? (Não vale dizer que é energia, pois energia é algo físico,
não imaterial, é troca de elétrons e modificações de substâncias materiais). Onde
estavam essas memórias, suspensas no ar? Se as memórias de vidas passadas ficam
suspensas em um mundo paralelo para depois voltarem em outras vidas, por que
uma pessoa com Alzheimer perde-as completamente? Oras, porque memórias são
coisas físicas armazenadas bioquimicamente no cérebro e não coisas
sobrenaturais.
Nossos humildes cérebros de
símios foram moldados ao longo da evolução e como esta não produz a completa
perfeição, nossos cérebros possuem falhas. O que ocorre nos momentos de déjà vu
é que, provavelmente, o cérebro acessa as memórias imediatamente após
“arquivá-las”, uma falha de comunicação, criando a sensação de que o fato que
está ocorrendo é uma repetição. Estas ocorrências também podem ser induzidas no
cérebro por estimulação com eletrodos no hipocampo e na amígdala cerebral, além
de serem mais comuns em pessoas com certos tipos de epilepsia no lobo temporal
do cérebro ou certos tipos de desordens psiquiátricas (Bartolomei et al., 2004;
Wild, 2005).
Considerando, por exemplo, o
hipocampo, ao longo do desenvolvimento do ser humano até atingir a maturidade
ele é muito sensível a efeitos ambientais (ansiedade, estresse) e influências
fisiológicas, sofrendo danos com efeitos de convulsões e inflamações ou de
estresse psicossocial e privação de sono durante o desenvolvimento infantil.
Assim, como esta região cerebral tem um papel fundamental na aquisição de
memórias, situações como estas que afetam seu funcionamento ou desenvolvimento
podem resultar em falhas na comunicação dos neurônios, ocasionando a sensação
de déjà vu (Wild, 2005; Brázbil et al., 2012). Tanto que algumas pessoas podem
apresentar disfunções neste funcionamento neuronal e passar de meses a anos
tendo sensações constantes de déjà vu (Akgül et al., 2013; ver site nas
referências).
O déjà vu não é um fenômeno
sobrenatural, é um fenômeno físico, ocorre na comunicação entre neurônios. Indo
mais além, podemos considerar que a crença da origem sobrenatural deste
fenômeno, longe de ser benéfica e consoladora, pode ocultar problemas e doenças
neurológicas ou outros fatores relacionados à vida cotidiana da pessoa que
podem estar implicando na ocorrência deste problema. Eventos isolados de déjà
vu podem ser uma simples disfunção corriqueira no funcionamento do cérebro, compatível
com uma neuropsiquiatria normal, mas sua constância elevada pode implicar em
causas mais sérias que necessitam de tratamento e auxílio médico (Wild, 2005).
Fato que não poderia ser constatado se nós permanecêssemos na crença
sobrenatural.
Referências
Akgül, S.;
Öksüz-Kanbur, N.; Turanlı, Güzide. 2013. Persistent déjà vu associated with
temporal lobe epilepsy in an adolescent. The Turkish Journal of Pediatrics 55:
552-554.
Bartolomei,
F.; Barbeau, E.; Gavaret, M.; Guye, M.; McGonigal, A.; Régis, J.; Chauvel, P.
2004. Cortical stimulation
study of the role of rhinal cortex in déjà vu and reminiscence of memories.
Neurology 63: 858-864.
Brázdil, M.; Marecek, R.; Urbánek,
T.; Kaspárek, T.; Mikl, M.; Rektor, I.; Zeman, A. 2012. Unveiling the mystery
of déjà vu: the structural anamoty of déjà vu. Cortex 48(9): 1240-1243.
Wild, E. 2005. Déjà vu in neurology.
Journal of Neurology 252: 1-7.
O jovem que vive em déjà
vu constante. Disponível em: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2015/01/o-jovem-que-vive-em-deja-vu-constante.html
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