Autor: Mario Arthur Favretto
Recentemente ganhou popularidade
em diferentes mídias os chamados sucos “detox” que supostamente podem eliminar
as toxinas de seu corpo, por serem compostos de diferentes partes de vegetais
(frutos, folhas, raízes, etc). Há mais tempo temos a constante presença da
utilização de produtos fitoterápicos, extratos alcoólicos de plantas ou chás.
Ambos partindo do princípio de que tudo que é natural, ou seja, se não foi
manipulado pelo homem, é saudável. Apenas por este aspecto as ideias já parecem
ser deturpadas, pois só pelo fato de um produto ser natural, isto não significa que ele seja saudável. A natureza possui muitas guerras, e muitas delas são guerras
químicas, ou você se arriscaria a comer qualquer cogumelo que aparecesse em sua
frente apenas por ser algo natural? Ou se deixar ser picado por uma serpente,
por ela ser natural?
Caso você não saiba, nosso
organismo possui órgãos moldados ao longo da evolução para realizar a função de
desintoxicar o organismo. Isso mesmo! O fígado e os rins. O primeiro destrói
diversas substâncias presentes no sangue, metabolizando-as em substâncias mais
simples ou eliminando-as, como o álcool originário de bebidas. Enquanto os rins
filtram o sangue, eliminando diversas substâncias tóxicas originadas pelo
metabolismo, como, por exemplo, a ureia. Desta forma, se a pessoa já absorveu
na digestão substâncias tóxicas, terá que contar quase exclusivamente com o
funcionamento de seus órgãos para eliminá-las.
Um suco de vegetais não poderá
ajudá-la. Em casos de intoxicações graves por ingestão de certas substâncias,
se não se passaram muitas horas, pode ser utilizado o carvão ativado, que
possui alta porosidade, e assim, pode adsorver as substâncias tóxicas quando
elas ainda estão no sistema digestório, reduzindo a quantidade que será
absorvida pelo organismo. E por que os sucos não servem para desintoxicação?
Plantas são seres vivos que não
têm como se deslocar, como fugir ou lutar contra seus predadores, assim para se
manter vivas muitas espécies foram selecionadas ao longo da evolução de forma a
produzir metabólitos secundários, substâncias que não estão diretamente ligadas
ao crescimento e reprodução das plantas. Mas que podem apresentar toxicidade e
assim prejudicar animais herbívoros que tentem se alimentar delas. Por exemplo,
qual o benefício de uma planta, como a couve ou a alface (ambas usadas em sucos
detox) em se deixar ser devorada por herbívoros? Ainda mais deixar suas folhas,
das quais elas dependem para realizar a fotossíntese, serem prejudicadas por um
animal tentando se aproveitar dela. Como solução, variedades destas plantas que
possuem maior quantidade de toxinas conseguem ter maior sucesso reprodutivo e,
em consequência, aumentar os genes da produção de toxinas nas populações da
espécie.
Ao longo de milhares de anos os
seres humanos vêm realizando seleção artificial de forma a obter variedades
vegetais mais palatáveis, porém ainda hoje temos plantas que ainda possuem
toxinas contra herbivoria. Muitas delas são vegetais com gostos amargos, como
agrião e rúcula. E até mesmo essa percepção de gosto amargo pode variar
conforme a pessoa, se crescemos ingerindo estes vegetais com toxinas, nosso
fígado pode acostumar-se a eliminar estas substâncias de nosso organismo. Enquanto
para outras pessoas não. É provavelmente por este motivo que o brócolis pode
parecer mais ou menos amargo dependendo da pessoa e da capacidade de
desintoxicação de seu fígado (Nesse & Williams, 1997)! No caso deste
vegetal, a presença de polifenois e taninos podem prejudicar as mucosas
intestinais e também reduzir a absorção de certos nutrientes (Santos, 2006). Ou
seja, os vegetais não realizam a desintoxicação, nossos órgãos sim.
Devemos ressaltar também que a
ingestão de toxinas vegetais ocorre não apenas na alimentação, mas também por
meio de remédios fitoterápicos, pois estes também lidam com os metabólitos
secundários de plantas, sem, no entanto, isolá-los. Ou seja, assim como você
poderá ingerir uma substância com potencial terapêutico, estará ingerindo uma
dezena de outras que podem prejudicar ainda mais o seu organismo. Por exemplo,
o uso de chás de flores ou folhas Passiflora
(maracujás) para fins sedativos e calmantes resulta na ingestão de diversos
alcaloides e flavonoides, e até de cianeto, dependendo a espécie deste gênero,
resultando em efeitos adversos cardiovasculares e gastrointestinais. Outra
planta, Plantago ovata é indicada
para prisão de ventre, emagrecimento e diabetes, porém seu uso está associado
com o risco de causar obstrução esofágica. O famoso chá de ginseng Panax ginseng pode ocasionar sangramento
vaginal, alteração do estado mental, hipertensão, insônia e diarreias (Turolla
& Nascimento, 2006; Carvalho et al., 2011).
No caso da ingestão de vegetais
para alimentação, muitas toxinas podem ser eliminadas pelo cozimento, que
ocasiona desnaturação destas substâncias e a quantidade de diversas toxinas
também foi reduzida por meio de seleção artificial, porém muitas outras ainda
assim permanecem. Já no caso da fitoterapia, a ingestão de chás e remédios que
não passaram por teste de toxicidade implica na ingestão de uma bateria de
toxinas que nem mesmo imaginamos os males que podem ocasionar. Desta forma,
demonstra-se que sucos ditos “detox” não realizam nenhuma função de
desintoxicação, pois os vegetais naturalmente possuem substâncias para defesa
contra herbivoria e que podem nos prejudicar. Se quisermos um melhor
funcionamento de nosso organismo, o melhor é evitar outras substâncias ainda
mais tóxicas como excesso de bebidas alcoólicas, que podem resultar na inutilização
de diversas células do fígado. E assim, dificultar seu funcionamento nos
processos de desintoxicação por parte de substâncias ingeridas em alimentos
essenciais como os próprios vegetais que apesar de trazerem benefícios também
trazem um preço a se pagar pela sua ingestão.
Referências
Carvalho,
F.K.L.; Medeiros, R.M.T.; Araújo, J.A.S.; Riet-Correa, F. 2011. Intoxicação
experimental por Passiflora foetidae (Passifloraceae)
em caprinos. Pesquisa Veterinária Brasileira 31(6): 477-481.
Nesse, R.M.; Williams, G.C. 1997. Por
que adoecemos: a nova ciência da medicina darwinista. Campus/Elsevier. 287p.
Santos,
M.A.T. 2006. Efeito do cozimento sobre alguns fatores antinutricionais em
folhas de brócolis, couve-flor e couve. Ciência e Tecnologia de Alimentos
30(2): 294-301.
Turolla,
M.S.R.; Nascimento, E.S. 2006. Informações toxicológicas de alguns
fitoterápicos utilizados no Brasil. Revista Brasileira de Ciências
Farmacêuticas 42(2): 289-306.
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