Autor: Mario Arthur Favretto
É comum ocorrer críticas a
certos aspectos da Ciência, em especial seu ceticismo diante de certos eventos
sobrenaturais e extraordinários citando certos pesquisadores de renome,
possuidores de títulos de doutores e de grande quantidade de publicações em
certas áreas do conhecimento, que acreditam nestes supostos eventos como
verdades. Como se o fato de uma pessoa ter renome ou possuir e compartilhar de
certas crenças com outras pessoas, tornassem estas verdadeiras.
Neste quesito esbarra-se no que
é chamado de falácia da autoridade, abordada por Carl Sagan em seu livro O Mundo
Assombrado pelos Demônios. Essa falácia (um raciocínio errado com aparência de
verdadeiro) utiliza-se de apelos para autoridades em certas áreas, como por
exemplo, se Einstein, que foi um grande físico, acreditava em evento A, logo
esse evento deve ser verdadeiro. Porém, ao fazerem tais afirmações,
especialmente relacionadas a coisas sobrenaturais e pseudocientíficas (e.g.
homeopatia, heiki, chakras e afins), as pessoas não compreendem que o fato de
alguém acreditar ou não em algo, ou de muitas pessoas, acreditarem ou não em
algo, não torna isto verdadeiro.
Independente de a pessoa ter
obtido ou não conhecimento em mais de uma área do saber, nossos cérebros ainda
são sujeitos a falhas, por isso a Ciência utiliza-se de ferramentas como a
experimentação, a comparação, a análise e descrição, e também da estatística,
para tentar chegar o mais próximo possível de explicações da realidade. Pois se
permanecêssemos apenas nos vislumbres imaginários, teríamos uma ampla gama de
diferentes opiniões, todas podendo ser falhas devido a ilusões que o cérebro
pode sofrer na tentativa de entender a realidade apenas numa visão pessoal e
interna.
Por exemplo, uma maior
quantidade de dopamina em certas regiões específicas do cérebro pode levar as
pessoas a perceberem padrões que não existem no mundo, culminando em níveis
extremos em casos de esquizofrenia quando há uma completa ruptura da realidade
e a pessoa enxerga padrões completamente inexistentes. Em outros casos, níveis
atenuados de dopamina podem influenciar as crenças das pessoas no sobrenatural
e assim torná-las mais religiosas, enquanto uma redução deste neurotransmissor
pode tornar a pessoa cética em relação ao sobrenatural e a divindades, não
vendo mais os padrões inexistentes, ou seja, os agentes externos ao mundo
visível. Assim, medicamentos e diferentes situações de vida (e.g. estresse),
podem influenciar na quantidade de neurotransmissores em nosso cérebro e
alterar nossa predisposição a certas crenças.
Dessa mesma forma estão
predispostas autoridades, líderes religiosos e científicos, eles também são
humanos, também possuem cérebros com a mesma fisiologia e assim estão sujeitos
às mesmas falhas. Estas só podem ser evitadas por meio do cultivo do pensamento
crítico, quando analisamos de forma efetiva as evidências que indicam um
determinado fato, independente de terem sido proclamadas por uma autoridade ou
de ser simplesmente propagada por senso comum. O pensamento crítico é um
cultivo de um ceticismo sadio, onde nos tornamos detetives tentando entender o
mundo por meio de toda uma cacofonia de crenças e superstições, ordens de
autoridades e senso comum, que inundam nossas mentes com informações
contraditórias, fazendo que precisemos separar o joio do trigo.
E isto só pode ser realizado
quando tentamos apaziguar nossos desejos de sobrenatural ou certas crenças, e
passamos a buscar entender realmente a realidade, sem querer ver fadas por
todos os lados. As pessoas difundem suas crenças na expectativa de que quanto
mais pessoas acreditem maiores serão as chances de que ela seja verdadeira e se
deleitam quando uma suposta autoridade aceita essas mesmas crenças e exerce sua
influência sobre os demais. Porém, tais desejos e autoridades não podem alterar
a realidade, ela continuará a ser o que é, e nossa melhor forma de tentar
entendê-la é pela Ciência e com o arsenal proposto por sua metodologia, doses
de ceticismo, pensamento crítico, experimentação, análise, descrição,
comparação de dados e observações, e estatística.
Referências:
Brancão, M.L.
2004. As bases biológicas do comportamento: introdução à neurociência. Ed.
Gráfica Pedagógica Universitária. 244p.
Krummenacher, P., Mohr, C., Hacker,
H., Brugger, P. 2009. Dopamine, paranormal belief, and the detection of
meaningful stimuli. Journal of Cognitive Neuroscience 22(8): 1670-1681.
Shermer, M.
2012. Cérebro e Crença. JSN Editora. 391p.
Sagan, C. 2006. O
mundo assombrado pelos demônios. Ed. Companhia de Bolso. 512p.
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