segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Ciência Brasileira: os movimentos sociais e o afastamento social

Mario Arthur Favretto


Uma das coisas mais interessantes sobre movimentos sociais que adotam a desobediência civil e protestos pacíficos é a forma como conseguem um grande apoio populacional e como conseguem mudar a visão social. Grandes conquistas foram feitas em meados do século vinte por meio desta forma de protesto. Ao contrário dos grandes protestos revolucionários agitados e violentos que muitas vezes acabam afastando apoiadores de movimentos sociais, com todos os seus xingamentos e extrovertidos exaltados. As mudanças na sociedade precisam ser graduais, passo a passo, para que as pessoas consigam mudar sua visão e seus hábitos. Mudanças bruscas conseguem pouca aceitação, mas ações voltadas para a introversão e introspecção conseguem gerar um ponto de virada mais efetivo.
Na ciência brasileira temos esse problema atualmente, um afastamento social, as pessoas deixam de se interessar pela ciência devido ao choque de realidade que muitas vezes elas têm quando entram em contato com esse conhecimento. Pessoas são movidas muito mais por sentimentos do que por racionalidade, são impulsivas, instintivas, somos símios. Dessa forma, uma busca por aproximação das pessoas para com a ciência deve focar não apenas no passar conhecimento, mas tentar mastigar a realidade científica para que seja facilmente digerível para quem não tem acesso a ela com facilidade.
Tomemos como exemplo alguns movimentos sociais, no caso do feminismo, é possível observar que integrantes do grupo Femen, apesar de lutarem por uma causa justa, afastam muitas pessoas que poderiam ajudá-las. O extremismo torna difícil a inserção das novas ideias no meio social. Xingamentos e palavra ofensivas em pouco vão ajudar na conscientização popular. Enquanto uma pequena ação da introvertida Rosa Parks, em desobedecer uma lei imoral, dizendo apenas um “não” e realizando uma pequena ação em 1955, resultaram em um ponto de virada no movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.
Podemos exemplificar essa situação na necessidade de aproximação ciência-população, com o caso de vacinas. Poderíamos abordar a situação explicando todo o processo de funcionamento das vacinas e xingando aqueles que não querem vacinar. Ou podemos apelar para o lado sentimental das pessoas, o lado que mais às afeta, mostrando os danos que a falta de vacinação gera, as sequelas deixadas pelas crianças. Atualmente as pessoas não veem mais os danos causados por muitas doenças. Que foi o fato que aconteceu recentemente com o retorno do sarampo para o Brasil, uma comoção de diversas pessoas devido às mortes de dezenas de crianças devido ao descaso de seus pais.

E quando há uma situação como essa, altamente sentimental, é que devemos focar na intensificação da relação ciência-população. Estamos em um ponto em que não se trata mais de provar quem está certo ou errado, primeiro, é necessário demonstrar a importância da ciência, para após demonstrar como ela funciona e em quais situações ela está correta. Uso de situações sentimentais propiciará a geração de um vínculo do cidadão com a ciência. Os artigos científicos com publicação avaliada por pares são uma necessidade formal da ciência para que esta mantenha sua rigidez e eficácia, são parte essencial do método científico para não desandar para os lados das crenças e superstições. Porém a ciência brasileira precisa mostrar sua cara para a população, mostrar para as pessoas sua importância no cotidiano de cada cidadão, mostrar para que ela serve, como funciona, o que a diferencia das pseudo-ciências, em que ela melhora a qualidade vida e a saúde de uma pessoa.  

sábado, 11 de agosto de 2018

Ciência Brasileira: além do recebimento de dinheiro do governo

Mario Arthur Favretto


Recentemente ganharam repercussão os cortes de verbas em instituições relacionadas à ciência no Brasil, ao menos em alguns meios, considerando a falta de interesse da população brasileira pelo assunto. Porém, há um problema mais profundo nesta situação, algo que está além do recebimento de dinheiro do governo para pagar bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado (ou financiamento de pesquisa básica). Digo esses aspectos de bolsas, porque aqui a maior parte da ciência é realizada em universidades. Porém essa situação criou no Brasil um sistema que em última análise é insustentável em longo prazo.
Desde a graduação alunos de áreas como, por exemplo, ciências biológicas são orientados a seguirem carreira acadêmica; ao longo desse caminho é incutido na cabeça das pessoas que as formações da pós-graduação abrirão portas de trabalho para elas. Mais especificamente que após fazer mestrado e depois um doutorado terão uma vaga como professor universitário esperando por elas. Nesse ponto já começa o problema, considerando que para ser professor universitário é necessário ter título de doutor, assim o mestrado torna-se apenas um meio termo, de dois anos de vida em banho-maria. Ou para outros apenas como uma opção de ter alguma renda durante dois anos a mais.
Percebe-se pouca ligação em alguns cursos de graduação e o pós-formado, resultando em uma leva de mão de obra com um diploma, mas que não atua em sua área de formação. Isso resulta em difamação de alguns cursos por parte de seus alunos formados e pessoas especializadas não atuantes. Muitos nem mesmo sabem como conseguir emprego em sua área de formação ou iniciar um empreendimento ou ideia com o conhecimento que adquiriu durante sua formação. Infelizmente isso parece ser um reflexo da cultura que temos no Brasil, uma cultura de pouca iniciativa, onde queremos receber tudo pronto do exterior, sendo a eterna colônia. Desta forma, muitos optam por seguir a carreira acadêmica como forma de ter uma renda, assim temos uma grande quantidade de pessoas nesse meio que apenas seguem o barco, dois anos de mestrado, quatro de doutorado, renda garantida durante seis anos. E após?
Infelizmente não há vagas em todas as universidades para receber toda essa leva de doutores como professores após sua obtenção do título. Para então atuarem na formação de ainda mais mestres e doutores, que atuariam onde? Na universidade também, criando um crescimento quase exponencial, de doutores se formando para serem professores universitários, almejando formar mais doutores (pois muitos professores-pesquisadores não apreciam orientar alunos de graduação devido à pesquisa bastante básica que estes fazem). E o “após” que mencionei antes? Pós-doutorado, bolsa após bolsa de pós-doutorado devido à falta de inserção no mercado de trabalho. Quem acompanha concursos públicos para docentes em instituições federais deve ter percebido nos últimos anos o grande aumento no número de candidatos para essas vagas.
O meio acadêmico precisa urgentemente mudar esta forma que se mantém, os bolsistas viram mão de obra informal daqueles que já estão dentro do meio acadêmico e não conseguem ter uma perspectiva de futuro profissional. Vejam, por exemplo, as recentes notícias referente aos danos mentais gerados por este meio acadêmico em muitas pessoas. A visão de bolsistas sendo formados como futuros professores está ultrapassada, novos modelos devem ser adotados, se é necessário manter a ciência brasileira funcionando, o que chamamos de bolsistas, precisariam ser convertidos em pesquisadores/cientistas em si. Com vínculo empregatício e tendo liberdade de atuarem em suas pesquisas ou nas instituições em que forem trabalhar, não sendo apenas mão de obra de professores e nem vagando no meio acadêmico de bolsa em bolsa sem uma perspectiva de futuro. Sem férias, sem décimo terceiro, sem contribuição para previdência social.
Porém, há um ponto ainda mais nevrálgico que precisa ser tocado. Quando caminhoneiros foram prejudicados com o recente aumento do preço do diesel, a população se revoltou, saiu às ruas, pararam o país. Por que isso? Conhecem a realidade dos caminhoneiros? Ou a gasolina afeta a todos havendo um ponto de interesse particular e egoísta em usar os caminhoneiros como linha de frente para que todos pudessem se aproveitar? Mas quando há situação que afeta a ciência brasileira, quem se importa? Apenas aqueles já inseridos no meio ou alguns com um pouco de senso de importância da ciência em si. Isso levanta uma importante questão.
A realidade de que não há apoio popular para ciência no Brasil. Isso em grande parte é devido ao fato de a grande maioria dos pesquisadores ficarem presos em suas torres aristocráticas sem divulgar o que ocorre por detrás das portas das universidades e instituições de pesquisa. Divulgação apenas em internet alcança apenas certo número de pessoas que sabe ao menos buscar as informações. Mas como alcançar as grandes maiorias silenciosas? O dito “cidadão médio”? Como demonstrar para este contribuinte que o dinheiro dos impostos dele está sendo bem investido em ciência no seu país? Como demonstrar para estas pessoas que suas vidas dependem da ciência básica e aplicada, tanto quanto sua rotina depende de gasolina/diesel? Afinal, quem produziu os automóveis e seu combustível, e toda tecnologia que eles possuem?
A população precisa ter um respaldo e um entendimento do que ocorre em instituições que realizam pesquisa científica, para que então possa realmente haver um apoio da população para com a ciência. A maioria das pessoas que mora em cidades com instituições de pesquisa ou universidades nem mesmo imagina o que é feito nestes locais, acreditam que seja apenas um local para receber diploma. Sem conhecer, não há como haver valorização.
Se os pesquisadores brasileiros querem continuar recebendo verbas do governo, precisam urgentemente conquistar o apoio populacional. Para acabar com essa visão de Brasil colônia de que ciência e tecnologia de qualidade são apenas importados, é necessário mostrar para a população o que está sendo criado aqui mesmo. Claro que isso gera outros problemas: a aplicação desse conhecimento e tecnologia daqui no cotidiano da população, sua inserção no meio comercial, enquanto concorrente de ciência e tecnologia importante. Mas isso é assunto para outro texto...


domingo, 8 de abril de 2018

A efemeridade da vida


Autor: Mario Arthur Favretto

A vida é um sopro, frágil e fraca, escapa de nós facilmente. Um ato ingênuo e ignorante destrói a vida de uma pessoa. Pensamos que pelo fato de acordarmos todos os dias sequencialmente ela assim continuará, nos iludimos com algumas frequências sequenciais. Esgotamos nossas forças, sufocamos nossas criatividades e vontades, em prol de um trabalho diário que a sociedade nos impõe, buscamos o além daquilo que precisamos, desgastando nossos corpos e mentes, definhamos no envelhecimento onde somos cavalos de visão fechada, culturalmente forçados a puxar o máximo de carga, rodando sem sair do lugar. Partimos e retornamos ao mesmo ponto, enquanto o tempo de vida escapa.
Afogamo-nos em mágoas, intrigas e confusões que não levam a nada. Lidamos com pessoas fofoqueiras, que buscam sempre “jogar lenha na fogueira, para ver o circo pegar fogo”. Destroem-se os laços diários por comentários arrogantes, egoístas ou malévolos de pessoas ingênuas, que não sabem que a vida não se resume ao trabalho e a intrigas diárias. Nadamos em hipocrisia social, onde todos querem acusar os erros dos outros, mas não enxergam os próprios erros. Esbravejam por todos os cantos sobre o que é moral e certo, porém se esquecem de cuidar do mais importante, suas próprias ações e pensamentos.

Pintura de Philippe de Champaigne (1650).

Deixamos de viver um momento por ficarmos pensando em um real a mais que podemos ganhar, ansiamos pelo dinheiro a mais para saciar nossa ganância e esquecemo-nos do tempo presente. Pensamos demais no futuro, e esquecemos o presente, sendo que o futuro pode nem mesmo chegar. Amanhã meu coração pode parar, dentro de alguns minutos uma veia em meu cérebro pode estourar... a morte nos espreita sempre, e pensarmos nela é uma lembrança da fragilidade e efemeridade da vida e do quão ignorante nós somos por desejarmos a grandiosidade e a ganância, quando no final tudo será apagado e esquecido.
Quantos milhões de pessoas já existiram? Todos esquecidos, apenas um nome sem significado em uma lápide ou em um atestado de óbito, ou um esqueleto escondido em algum lugar. Todos os sonhos e aflições, todos os desejos e preocupações, todas as brigas e felicidades, tudo se foi para sempre. Nós existimos por um curto período de tempo e depois somos varridos do privilégio da existência. Por alguns anos podemos continuar vivos nas lembranças de outras pessoas, em fotos, vídeos ou palavras escritas. Mas nada resiste às garras do tempo, diante dele tudo se esvai. Quantos viveram antes de nós, mortes em brigas, guerras, disputas, acidentes? Todos se foram, nenhum sinal de sua existência permaneceu e nenhum sinal de nós sobrará para as futuras gerações. Desejamos a vida eterna, desperdiçamos nosso tempo e energia em busca dela, mas nunca a encontraremos. Só nos resta viver esta vida, livre das tolas preocupações mundanas, sem desperdício de alegria, sem desperdício de sorrisos pelas ideias contrárias. Sem desperdício de viver, pelo fato de ainda mais querer. Também sem desperdício da tristeza, pois também ela é necessária, tola ilusão de que seremos felizes todos os dias. A vida se vai, nos despedimos dela como se fosse pouco tempo, mas o tempo sempre é tempo, o tempo foi suficiente, nós com nossa ignorância é que o gastamos com tolices humanas. Tenha para viver, e viva, não tenha além e não viva. O momento é certo, o amanhã pode ser o fim.



segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Falácias Quânticas, Religiosas e a Inevitabilidade do Acaso

Autor: Mario Arthur Favretto

É cruel a ideia de afirmar que a condição de vida em que uma pessoa se encontra, como, por exemplo, passando fome, sem emprego ou doente, seria simplesmente falta de pensamento positivo. Pois bastaria desejar e pensar positivo para alterar sua realidade. Quando se questiona alguém sobre como este desejo e pensamento positivo mudaria o mundo, tais pessoas costumam dizer que trata-se de física quântica, que tudo é energia, tudo é quântico. Apesar do fato de a pessoa nunca ter lido um livro sobre física. Mas para estas pessoas a melhoria trata-se de emanar energias positivas, seja qual o conceito distorcido de energia que ela use.
 É cruel dizer que todos os problemas da vida de uma pessoa dependem apenas dela mesma. Há situações que não controlamos, pois dependem de uma série de fatores e acasos, interações sociais e históricas. Observa-se a sociedade tomada por uma onda de misticismo (um tanto arrogante?) que acha que pode mudar o universo com o poder da mente e energias emanadas. 
Não somos reatores ambulantes emanando energia física ou bioquímica, por meio de troca de elétrons, glicose ou moléculas de ATP. Se os problemas do mundo pudessem ser resolvidos pela simples "emanação de energia" (não é possível saber que tipo de energia inexistente é essa que muitas pessoas falam), então não haveria doenças e nem sofrimento, todos seriam felizes.
Para resolver os problemas do mundo não precisaríamos de dinheiro e nem de medicina, bastaria nos sentarmos e emanaríamos energias. Bem, não tão diferente da metodologia da oração, as pessoas repetem algumas palavras e já acham que fizeram alguma forma de ajuda. Mas o mundo continua a mesma desgraça para milhões de pessoas, apenas o emanador/orador sente-se melhor, imerso em uma autoilusão de que cumpriu com suas obrigações.
Apenas o ego do orador ou emanador que se sente satisfeito por achar que fez algo útil pela humanidade. Quem dera tudo se resolvesse de forma tão simples. Fale de emanações de energia ou orações para quem está passando fome, morrendo, sendo torturado ou estuprado; acho que a situação deles não vai se resolver por estas técnicas, não é? Engraçado é o conceito de que tudo que você pensa, você atrai. Que a pessoa só recebeu aquilo que ela desejou para os outros, se recebeu o mal, então desejou o mal. Então uma mulher estuprada ou uma criança vítima de pedofilia emanaram energias de estupro e pedofilia? Não faz sentido, não acha?
Nestes aspectos de desejar, agir e receber coisas boas e ruins, não há efeitos de energias místicas que possam atrair tais situações ao cotidiano. Sua ocorrência se trata apenas do fato de vivermos em uma sociedade que exige múltiplas interações entre as pessoas, em que acabam valendo conceitos de teoria dos jogos, em que interagimos mais ou menos com as pessoas dependendo dos benefícios ou malefícios que obtemos com estas.
Tentamos ser bons e vemos como as outras pessoas nos correspondem, se não forem boas conosco, as evitamos. Pura e simplesmente interações sociais. Nada de energias atraindo ou afastando coisas, apenas nós mesmos selecionado nossas companhias. E tentando escapar de ações rotineiras ou ao acaso que permeiam a vida das pessoas e estão fora de suas capacidades de controle. Talvez seja o aspecto mais frustrante da vida o fato de que não temos completo controle sobre tudo o que nos diz respeito.
Além do mais, querer espalhar o bem simplesmente com o objetivo de que ele volte para você, é bastante egoísta, não acha? Ou seja, vou fazer o bem, pois o universo trará coisas boas para mim. Quanto egoísmo. Será que as pessoas não conseguem fazer o bem pelo simples fato de perceberem que isso não é prejudicial aos demais e sim benéfico? Por que as pessoas sempre querem que o bem volte para si? Seja na forma de "energias" inexistentes ou em recompensas após a morte? Parece puro interesse próprio essa ideia de faça o bem para ele voltar para você ou faça o bem para ir para o céu. Não é necessário "energia", deus, recompensas celestiais, para saber o que é o bem e para fazer o bem, basta ter um pouco de empatia e solidariedade para com os demais.

domingo, 7 de maio de 2017

Afinal, ingerir líquidos em excesso faz mal?

Autor: Mario Arthur Favretto


Sempre escutamos que precisamos tomar ao menos dois litros de água por dia, ou que quanto mais água tomarmos melhor, ou ainda, que devemos sempre ficar bem hidratados. A origem destas informações é obscura, e muitas vezes se baseia na ideia de que água não faz mal, independente da quantidade. Tratando-se, pois, de uma informação errônea.
Quanto exatamente de líquidos nós precisamos? Bom, uma estimativa média é de que absorvemos por meio de líquidos em média 1600 ml, de alimentos 700 ml, e mais água metabólica de reações químicas do corpo, 200 ml, uma ingestão (em média) diária de 2500 ml. E como perdemos essa água? Excretamos em média nas fezes 100 ml, expiramos pelos pulmões 300 ml, evapora-se da superfície da pele 600 ml, e na urina 1500 ml. Assim, nosso organismo mantém certo equilíbrio hídrico1. Estes valores são aproximações médias, em geral cálculos de desidratação e hidratação são baseados na massa corpórea da pessoa2. Porém aparentemente alguém viu esse valor total de líquidos ingeridos e produzidos pelo corpo e passou a disseminar a ideia de ingestão de 2 litros de água por dia.


Mas devemos ficar tomando e tomando água constantemente? Bom, a princípio, se não há algum problema de saúde que possa prejudicar o equilíbrio hídrico de nosso corpo e a forma como ele regula sua homeostase, o próprio organismo produz sinais indicativos da necessidade de ingestão de água. Em nosso corpo o hipotálamo controla a sede, por meio da detecção de alterações na pressão osmótica nos tecidos corporais (ou seja, se eles estão com água suficiente ou se estão murchando, faltando perdendo água1.
Um desses sinais utilizados pelo hipotálamo é a diminuição do volume sanguíneo, que causa uma queda da pressão sanguínea; isso estimula os rins a liberar renina (uma enzima), que promove a produção de angiotensina II (um peptídeo). Os osmorreceptores no hipotálamo, que detectam as variações na pressão osmótica, e o aumento da quantidade de angiotensina II no sangue estimulam o centro de sede do hipotálamo a produzir essa sensação, um alerta de que o corpo deve ingerir mais líquidos1, 3.
Os neurônios na boca também detectam a secura nesta parte do corpo devido ao fluxo reduzido de saliva, então aumentando a sensação de sede. Em pessoas idosas ou crianças essa sensação pode ser mais lenta do que a necessidade do corpo, daí serem grupos que demandam maiores cuidados com a hidratação1, 3. Além disso, o processo de desidratação pode ser mais rápido em dias com temperatura muito elevada ou muito baixa (quando o ar também pode ficar mais seco), podendo em alguns casos levar a pessoa ao óbito caso não tenha cuidado para manter-se hidratada4.
Porém nem tudo é um paraíso na água. Quando uma pessoa consome água constantemente, de modo mais rápido do que os rins podem excretá-la (a taxa máxima do fluxo de urina é cerca de 15 ml/min) ou quando sua função renal é deficiente, a diminuição da concentração de Na+ (íons sódio) do líquido intersticial (líquido localizado entre as células) faz a água passar, por osmose, desse líquido para o fluído intracelular1. Fato que pode resultar na intoxicação por água, um estado em que a água corporal excessiva leva as células a incharem perigosamente, produzindo convulsões, coma e, eventualmente, morte. Por isso que para evitar essa terrível sequência de eventos a terapia de reidratação oral ou endovenosa inclui uma pequena quantidade de sal1, 5.
Com estas informações percebemos que na ausência de problemas de saúde o próprio organismo trata de regularizar sua hidratação e que muitas vezes, dadas as circunstâncias, o excesso de água pode ser tão prejudicial quanto sua falta, ao contrário do que muitas dietas podem pregar, alegando que água é fonte de apenas benefícios e esquecendo-se de que muitas vezes o que diferencia o remédio do veneno é a dose.


Referências:
1 - Tortora, G.J.; Gabrowski, S.R. 2006. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. Porto Alegre: Artmed. 718p.
2 – Cheuvront, S.N.; Kenefick, R.W. 2014. Dehydration: physiology, assessment, and performance effects. Comprehensive Physiology 4: 257-285.
3 - Thomas, D.R.; Cote, T.R.; Lawhorne, L.; Levenson, S.A.; Rubestein, L.Z.; Smith, D.A.; Stefanacci, R.G.; Tangalos, E.G.; Morley, J.E. 2008. Understanding clinical dehydration and its treatment. The Journal of Post-Acute and Long-Term Care Medicine 9(5): 292-301.
4 - Lim, Y.H.; Park, M.S.; Kim, Y.; Kim, H.; Hong, Y.C. 2014. Effects of cold and hot temperature on dehydration: a mechanism of cardiovascular burden. International Journal of Biometeorology 59(8): 1035-1043.
5 – Évora, P.R.B.; Reis, C.L.; Ferez, M.A.; Conte, D.A.; Garcia, L.V. 1999. Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolitico e do equilíbrio acidobásico – uma revisão prática. Medicina 32: 451-469.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Equívocos da medicina alternativa, complementar e nutrição – parte I

Autor: Mario Arthur Favretto


Um dos problemas mais comuns em relação às ditas medicinas alternativas e/ou complementares, aos naturólogos e também aos nutricionistas é a aparente falta de conhecimento por parte de alguns (não vou generalizar) destes profissionais sobre o método científico e sobre cuidados para realização de um bom experimento que possua boas bases estatísticas. E sobre como estas características influenciam em suas respectivas afirmações relacionadas à saúde das pessoas. É comum observarmos as pessoas fazendo associações de falsa correlação e também de correlações espúrias para justificar que um determinado alimento ou produto faz mal e outro faz bem. Não que esse problema também não ocorra em outras formações, como muitos de meus colegas de formação (biólogos), por exemplo.
É bem comum encontrarmos a afirmação de que refrigerantes de cola (e.g. coca-cola, pepsi, etc) vão corroer os ossos da pessoa, e como base para isso usam o exemplo de deixar um osso de galinha dentro de um copo com estes produtos, e após um tempo, este estaria parcialmente deteriorado ou emborrachado. A coca-cola tem um pH de em média 1,78, podendo chegar 3 (Skupien et al,, 2009), enquanto o pH médio do estômago é em média 2 (Tortora & Gabrowski, 2006), afinal, temos ácido clorídrico no estômago. Ou seja, o maior risco poderia ser em efeitos destes refrigerantes sobre os dentes e não sobre os demais ossos do corpo, tendo em vista que estas bebidas não vão entrar em contato com eles e há ácido de igual potência e em alguns casos mais forte no estômago. Salvo algum efeito prejudicial de outras substâncias presentes nestas bebidas, mas no assunto em questão, a afirmação aparenta ser um tanto quanto exagerada.
Essa afirmativa seria o mesmo que dizer que como o oxigênio provoca oxidação (ferrugem) de barras de ferro, não deveríamos deixá-lo entrar em contato com o nosso corpo. Afinal, se enferruja algo forte como o ferro, o que o oxigênio poderia fazer com nossos pulmões? Ou seja, só porque algo é prejudicial em certos aspectos ou para certos materiais, não significa que também o será para nosso organismo. Devemos analisar o contexto de real aplicação à nossa saúde, ninguém vai deixar de respirar só porque oxigênio participa do processo de “enferrujar” ferro.

Figura 1. “Isto é ferrugem. Ela é causada pelo oxigênio e se chama oxidação. Nós respiramos oxigênio todos os dias. Se ele pode fazer isso com uma corrente, então imagine o que ele pode fazer para os seus pulmões. Compartilhe para aumentarmos a consciência sobre os perigos do oxigênio.”

De mesma forma que nem tudo que parece ser ruim em um alimento vai nos prejudicar, nem tudo que ele tem de bom vai nos beneficiar. Exemplificando, em relação ao uso de suplementos vitamínicos e minerais, nosso organismo não possui um mecanismo para armazenar muitas dessas substâncias e, algumas das que são absorvidas, quando em excesso, também podem fazer mal. Aprofundando esse exemplo, sobre o consumo de cálcio como suplemento alimentar para reduzir os efeitos da osteoporose, será que realmente funciona? O armazenamento do cálcio ou não nos ossos e seu uso em outras atividades do corpo é controlado por hormônios, como hormônio paratireoideo, calcitonina e calcitriol (vitamina D; Tortora & Gabrowski, 2006).
Estes hormônios em conjunto vão definir quanto de cálcio dos ossos será liberado na corrente sanguínea para atividades do corpo, quanto será reabsorvido para os ossos e quanto será absorvido nos intestinos a partir dos alimentos (Tortora & Gabrowski, 2006). Assim, se não houver um controle hormonal, não haverá a absorção e deposição do cálcio nos ossos, tornando o consumo excessivo de cálcio ineficiente. Isto também é o que apontam revisões sistemáticas e meta-análises que indicam certa controvérsia sobre a real eficiência no consumo de cálcio, e que aparentemente seu consumo pode resultar em mais efeitos benéficos quando em conjunto com suplemento de vitamina D (Borrelli & Ernst, 2010). Ou este tratamento combinado com exercícios físicos, que podem colocar os ossos em uma situação de estresse, responsável por aumentar a deposição de cálcio em suas estruturas (Tortora & Gabrowski, 2006; Borrelli & Ernst, 2010).
Além disso, essas questões também levantam dúvidas. Considerando que se muitos problemas de pedras nos rins resultam no acúmulo de sais minerais, tal formação poderia resultar deste consumo excessivo de cálcio? Bem, em excesso, a suplementação de cálcio e vitamina D pode realmente pode resultar na formação deste problema (Gallagher et al., 2014; Letavernier et al., 2016). Ou seja, ao invés de melhorar uma situação, o uso descontrolado de produtos complementares pode piorar a saúde das pessoas.
Desta forma, é possível perceber que, apesar do que é pregado por certos profissionais da saúde de que para tudo existe uma definição rígida daquilo que é saudável ou prejudicial, o limiar entre estas duas situações parece ser muito mais tênue. Um refrigerante que é visto como um vilão, em pouca quantidade pode ser inofensivo. Enquanto que a ingestão de suplementos de sais minerais e vitaminas, vistos como produtos altamente benéficos, podem resultar em problemas de saúde. Nestas situações, talvez a melhor solução seja uma variação de uma frase atribuída à Paracelso que diz: “todas as substâncias são venenos; não existe uma que não seja veneno. A dose certa diferencia um veneno de um remédio”. Mas, é claro, tal dose depende de que tipo de produto se está falando.

Referências:
Borrelli, F.; Ernst, E. 2010. Alternative and complementary therapies for the menopause. Maturitas 66: 333-343.
Gallagher, J.C.; Smith, L.M.; Yalamanchili, V. 2014. Incidence of hypercalciuria and hypercalcemia during vitamin D and calcium supplementation in older women. Menopause 21(11): 1173-1180.
Letavernier, E.; Verrier, C.; Goussard, F.; Perez, J.; Huguet, L.; Hayman, J.P.; Baud, L.; Bazin, D.; Daudon, M. 2016. Calcium and vitamin D have a synergistic role in a rat model of kidney stone disease. Kidney International 90(4): 809-817.
Skupien, J.A.; Bergoli, C.D.; Pozzobon, R.T.; Brandão, L. 2009. Avaliação do pH de refrigerantes do tipo normal e light. Saúde 35(2): 33-36.
Tortora, G.J.; Gabrowski, S.R. 2006. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. Porto Alegre: Artmed. 718p.

domingo, 3 de julho de 2016

Livro: "Borboletas e mariposas de Santa Catarina: uma introdução"

Foi publicado no dia 06 de junho de 2016, o novo livro dos autores deste blog “Borboletas e mariposas de Santa Catarina: uma introdução”, no livro foram registradas 1637 espécies de borboletas e mariposas para Santa Catarina, e ainda são apresentadas informações sobre origem, evolução e biologia em geral da ordem Lepidoptera (borboletas e mariposas) e informações de biologia geral e/ou ecologia de 37 famílias desta ordem com mais de 300 fotos. O livro pode ser como guia de identificação para algumas destas espécies que foram registradas.

Abaixo seguem os links para download gratuito ou compra de exemplar impresso.

O livro está disponível para venda no Clube de Autores, em formato A4 com imagens coloridas, no seguinte link: https://www.clubedeautores.com.br/book/210582--Borboletas_e_mariposas_de_Santa_Catarina?topic=horror#.V3jtx_krLIU