segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Ciência Brasileira: os movimentos sociais e o afastamento social

Mario Arthur Favretto


Uma das coisas mais interessantes sobre movimentos sociais que adotam a desobediência civil e protestos pacíficos é a forma como conseguem um grande apoio populacional e como conseguem mudar a visão social. Grandes conquistas foram feitas em meados do século vinte por meio desta forma de protesto. Ao contrário dos grandes protestos revolucionários agitados e violentos que muitas vezes acabam afastando apoiadores de movimentos sociais, com todos os seus xingamentos e extrovertidos exaltados. As mudanças na sociedade precisam ser graduais, passo a passo, para que as pessoas consigam mudar sua visão e seus hábitos. Mudanças bruscas conseguem pouca aceitação, mas ações voltadas para a introversão e introspecção conseguem gerar um ponto de virada mais efetivo.
Na ciência brasileira temos esse problema atualmente, um afastamento social, as pessoas deixam de se interessar pela ciência devido ao choque de realidade que muitas vezes elas têm quando entram em contato com esse conhecimento. Pessoas são movidas muito mais por sentimentos do que por racionalidade, são impulsivas, instintivas, somos símios. Dessa forma, uma busca por aproximação das pessoas para com a ciência deve focar não apenas no passar conhecimento, mas tentar mastigar a realidade científica para que seja facilmente digerível para quem não tem acesso a ela com facilidade.
Tomemos como exemplo alguns movimentos sociais, no caso do feminismo, é possível observar que integrantes do grupo Femen, apesar de lutarem por uma causa justa, afastam muitas pessoas que poderiam ajudá-las. O extremismo torna difícil a inserção das novas ideias no meio social. Xingamentos e palavra ofensivas em pouco vão ajudar na conscientização popular. Enquanto uma pequena ação da introvertida Rosa Parks, em desobedecer uma lei imoral, dizendo apenas um “não” e realizando uma pequena ação em 1955, resultaram em um ponto de virada no movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos.
Podemos exemplificar essa situação na necessidade de aproximação ciência-população, com o caso de vacinas. Poderíamos abordar a situação explicando todo o processo de funcionamento das vacinas e xingando aqueles que não querem vacinar. Ou podemos apelar para o lado sentimental das pessoas, o lado que mais às afeta, mostrando os danos que a falta de vacinação gera, as sequelas deixadas pelas crianças. Atualmente as pessoas não veem mais os danos causados por muitas doenças. Que foi o fato que aconteceu recentemente com o retorno do sarampo para o Brasil, uma comoção de diversas pessoas devido às mortes de dezenas de crianças devido ao descaso de seus pais.

E quando há uma situação como essa, altamente sentimental, é que devemos focar na intensificação da relação ciência-população. Estamos em um ponto em que não se trata mais de provar quem está certo ou errado, primeiro, é necessário demonstrar a importância da ciência, para após demonstrar como ela funciona e em quais situações ela está correta. Uso de situações sentimentais propiciará a geração de um vínculo do cidadão com a ciência. Os artigos científicos com publicação avaliada por pares são uma necessidade formal da ciência para que esta mantenha sua rigidez e eficácia, são parte essencial do método científico para não desandar para os lados das crenças e superstições. Porém a ciência brasileira precisa mostrar sua cara para a população, mostrar para as pessoas sua importância no cotidiano de cada cidadão, mostrar para que ela serve, como funciona, o que a diferencia das pseudo-ciências, em que ela melhora a qualidade vida e a saúde de uma pessoa.  

sábado, 11 de agosto de 2018

Ciência Brasileira: além do recebimento de dinheiro do governo

Mario Arthur Favretto


Recentemente ganharam repercussão os cortes de verbas em instituições relacionadas à ciência no Brasil, ao menos em alguns meios, considerando a falta de interesse da população brasileira pelo assunto. Porém, há um problema mais profundo nesta situação, algo que está além do recebimento de dinheiro do governo para pagar bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado (ou financiamento de pesquisa básica). Digo esses aspectos de bolsas, porque aqui a maior parte da ciência é realizada em universidades. Porém essa situação criou no Brasil um sistema que em última análise é insustentável em longo prazo.
Desde a graduação alunos de áreas como, por exemplo, ciências biológicas são orientados a seguirem carreira acadêmica; ao longo desse caminho é incutido na cabeça das pessoas que as formações da pós-graduação abrirão portas de trabalho para elas. Mais especificamente que após fazer mestrado e depois um doutorado terão uma vaga como professor universitário esperando por elas. Nesse ponto já começa o problema, considerando que para ser professor universitário é necessário ter título de doutor, assim o mestrado torna-se apenas um meio termo, de dois anos de vida em banho-maria. Ou para outros apenas como uma opção de ter alguma renda durante dois anos a mais.
Percebe-se pouca ligação em alguns cursos de graduação e o pós-formado, resultando em uma leva de mão de obra com um diploma, mas que não atua em sua área de formação. Isso resulta em difamação de alguns cursos por parte de seus alunos formados e pessoas especializadas não atuantes. Muitos nem mesmo sabem como conseguir emprego em sua área de formação ou iniciar um empreendimento ou ideia com o conhecimento que adquiriu durante sua formação. Infelizmente isso parece ser um reflexo da cultura que temos no Brasil, uma cultura de pouca iniciativa, onde queremos receber tudo pronto do exterior, sendo a eterna colônia. Desta forma, muitos optam por seguir a carreira acadêmica como forma de ter uma renda, assim temos uma grande quantidade de pessoas nesse meio que apenas seguem o barco, dois anos de mestrado, quatro de doutorado, renda garantida durante seis anos. E após?
Infelizmente não há vagas em todas as universidades para receber toda essa leva de doutores como professores após sua obtenção do título. Para então atuarem na formação de ainda mais mestres e doutores, que atuariam onde? Na universidade também, criando um crescimento quase exponencial, de doutores se formando para serem professores universitários, almejando formar mais doutores (pois muitos professores-pesquisadores não apreciam orientar alunos de graduação devido à pesquisa bastante básica que estes fazem). E o “após” que mencionei antes? Pós-doutorado, bolsa após bolsa de pós-doutorado devido à falta de inserção no mercado de trabalho. Quem acompanha concursos públicos para docentes em instituições federais deve ter percebido nos últimos anos o grande aumento no número de candidatos para essas vagas.
O meio acadêmico precisa urgentemente mudar esta forma que se mantém, os bolsistas viram mão de obra informal daqueles que já estão dentro do meio acadêmico e não conseguem ter uma perspectiva de futuro profissional. Vejam, por exemplo, as recentes notícias referente aos danos mentais gerados por este meio acadêmico em muitas pessoas. A visão de bolsistas sendo formados como futuros professores está ultrapassada, novos modelos devem ser adotados, se é necessário manter a ciência brasileira funcionando, o que chamamos de bolsistas, precisariam ser convertidos em pesquisadores/cientistas em si. Com vínculo empregatício e tendo liberdade de atuarem em suas pesquisas ou nas instituições em que forem trabalhar, não sendo apenas mão de obra de professores e nem vagando no meio acadêmico de bolsa em bolsa sem uma perspectiva de futuro. Sem férias, sem décimo terceiro, sem contribuição para previdência social.
Porém, há um ponto ainda mais nevrálgico que precisa ser tocado. Quando caminhoneiros foram prejudicados com o recente aumento do preço do diesel, a população se revoltou, saiu às ruas, pararam o país. Por que isso? Conhecem a realidade dos caminhoneiros? Ou a gasolina afeta a todos havendo um ponto de interesse particular e egoísta em usar os caminhoneiros como linha de frente para que todos pudessem se aproveitar? Mas quando há situação que afeta a ciência brasileira, quem se importa? Apenas aqueles já inseridos no meio ou alguns com um pouco de senso de importância da ciência em si. Isso levanta uma importante questão.
A realidade de que não há apoio popular para ciência no Brasil. Isso em grande parte é devido ao fato de a grande maioria dos pesquisadores ficarem presos em suas torres aristocráticas sem divulgar o que ocorre por detrás das portas das universidades e instituições de pesquisa. Divulgação apenas em internet alcança apenas certo número de pessoas que sabe ao menos buscar as informações. Mas como alcançar as grandes maiorias silenciosas? O dito “cidadão médio”? Como demonstrar para este contribuinte que o dinheiro dos impostos dele está sendo bem investido em ciência no seu país? Como demonstrar para estas pessoas que suas vidas dependem da ciência básica e aplicada, tanto quanto sua rotina depende de gasolina/diesel? Afinal, quem produziu os automóveis e seu combustível, e toda tecnologia que eles possuem?
A população precisa ter um respaldo e um entendimento do que ocorre em instituições que realizam pesquisa científica, para que então possa realmente haver um apoio da população para com a ciência. A maioria das pessoas que mora em cidades com instituições de pesquisa ou universidades nem mesmo imagina o que é feito nestes locais, acreditam que seja apenas um local para receber diploma. Sem conhecer, não há como haver valorização.
Se os pesquisadores brasileiros querem continuar recebendo verbas do governo, precisam urgentemente conquistar o apoio populacional. Para acabar com essa visão de Brasil colônia de que ciência e tecnologia de qualidade são apenas importados, é necessário mostrar para a população o que está sendo criado aqui mesmo. Claro que isso gera outros problemas: a aplicação desse conhecimento e tecnologia daqui no cotidiano da população, sua inserção no meio comercial, enquanto concorrente de ciência e tecnologia importante. Mas isso é assunto para outro texto...