Autor: Mario Arthur Favretto
Muitas
pessoas acham que os estudos de Charles Darwin acerca da seleção natural
aplicam-se apenas para a compreensão da evolução ou da natureza, muitos o
condenam por querer aproximar o homem dos animais, porém desconhecem o lado
humanista por detrás deste pesquisador. A família de Darwin sempre foi muito
ativista em defender a libertação dos escravos e os direitos dos animais,
Darwin logicamente herdou esta moral de sua família, fato comprovado por meio
de seu repúdio em relação à escravidão demonstrado em seu livro “Viagem de um
Naturalista ao redor do Mundo” quando então em visita ao Brasil presenciou as
crueldades contra os escravos.
Neste aspecto é possível afirmar que ler “A Origem das Espécies” dentro do contexto histórico da época em que foi escrita torna-a muito mais envolvente. O período era de muita turbulência entre as pessoas pró-escravidão e as contra escravidão, os países escravagistas defendiam suas ideologias baseadas na Bíblia que afirma que os negros foram amaldiçoados e que no livro de Levítico defende a escravidão, ensinando até mesmo como surrar um escravo sem matá-lo e que pais podem vender seus filhos como escravos.
Assim se o
livro sagrado fazia tais menções à escravidão se justificava, e muitos
pseudocientistas da época utilizavam-se da frenologia para complementar a
veracidade bíblica. A pseudociência da frenologia afirmava que o caráter de uma
pessoa poderia ser definido pelo formato da cabeça da mesma e assim estes
encontravam características para justificar a suposta inferioridade de povos
africanos e indígenas. Além de haver outros que afirmavam que as diferentes
raças humanas eram espécies diferentes criadas por deus independentemente,
assim os brancos seriam divinos e os demais povos, apenas animais colocados no
mundo para servirem aos filhos de deus (no caso, os brancos europeus).
Desta forma,
a libertação de escravos precisava urgentemente ter uma justificativa embasada
na ciência para firmar-se. Darwin e seus parentes acreditavam que como todos os
homens descendiam de Adão e Eva a escravidão não era justificável, pois seriam
todos parentes, tendo o referido casal como ancestral comum, assim como, todas
as criaturas vivas sendo criações divinas não poderiam ser torturadas e
escravizadas, mesmo com as justificativas bíblicas a favor da escravidão. Esta
“causa” de provar cientificamente que a escravidão e a tortura em animais era
algo injustificável foi um dos grandes impulsos para que Darwin prosseguisse
com suas pesquisas e coletas de dados sobre a evolução.
Quando Darwin
publicou o seu livro “Origem das Espécies” não estava apenas provando que as
espécies podiam se modificar ao longo do tempo permitindo o surgimento de novas
espécies, ele também indiretamente estava provando que todas as ditas “raças”
humanas eram na verdade uma mesma espécie, mas com variações fenotípicas. Conforme
fortemente demonstrado que também poderia ocorrer em outras espécies, como os
pombos domésticos dos quais ele tratou intensamente em seus primeiros capítulos
do referido livro, pois estas aves apresentam diversas diferenças físicas,
assim como os cães, mas ainda são a mesma espécie. Justificando a ocorrência
destas variações, também demonstrou-se que a escravidão não estava sendo
realizada da espécie “homem branco divina” sobre o “animal negro”, mas que
estava sendo realizada sobre indivíduos da mesma espécie, sobre irmãos e
parentes ligados por um ancestral em comum.
Darwin só
conseguiu derrubar a frenologia e outras justificativas escravagistas
“pseudocientíficas” graças a grande quantidade de dados que ele reuniu
demonstrando a ocorrência da seleção natural em diversas espécies e por toda a
natureza, ele foi além dos seus familiares que realizavam ativismo pela
libertação dos escravos. Ele provou por meio da ciência que os escravos eram a
mesma espécie que o homem europeu, ele comprovou que por meio de modificações
acumuladas ao longo do tempo todas as espécies compartilhavam um ancestral em
comum. Claro que como consequência, estes dados acabaram por demonstrar que o
mito bíblico sobre a criação dos seres vivos estava errado e que os humanos não
estavam acima dos demais seres vivos.
Tirando o
homem europeu de seu pedestal e colocando-o em igualdade aos demais povos do
mundo, assim como, junto aos demais animais, Darwin derrubou uma visão que há
muito prevalecia na Europa. Porém, muitos ainda consideravam os humanos como
sendo superiores por possuírem sentimentos e seguindo a justificativa bíblica
de que os demais animais existiam para servir ao homem, continuaram com
diversas atrocidades, inclusive com as terríveis pesquisas de vivissecção, onde
um animal é aberto ainda vivo para entender o funcionamento de sua fisiologia.
Darwin sendo
extremamente contra o sofrimento e tendo inclusive largado a faculdade de
medicina por não conseguir acompanhar as cirurgias (que na época eram
realizadas sem anestesia), não pode deixar de realizar mais pesquisas para
fundamentar a sua moralidade e de seus familiares contra o sofrimento de seres
vivos, dando origem a mais outra obra “A Expressão das Emoções no Homem e nos
Animais”, assim como o seu “Origem”. Este livro também causou polêmica,
comprovando que os outros animais também compartilham sentimentos humanos e que então
muitas práticas humanas estariam causando grande sofrimento a estes seres.
Enfim, vemos
que Charles Darwin também não foi apenas um pesquisador, ele utilizou a ciência
para melhorar o mundo, demonstrando que tudo que era usado para justificar a
escravidão e as torturas contra animais não possuíam qualquer fundamento. Estas
defesas não ficam claramente expressas em suas obras, mas em suas cartas e
anotações foi onde estas preocupações foram encontradas. Ele demonstrou um dos
principais meios pelo qual as espécies evoluem, mas também derrubou o homem de
seu pedestal divino, colocando-o junto aos outros seres e em igualdade. Uma
lição de humildade para quem aprecia todos os aspectos da natureza.
·
A
título de curiosidade, Darwin também comprovou que as plantas são polinizadas por
insetos em seu livro “On the various contrivances by which British
and foreign orchids are fertilized by insects, and on the good effects of
intercrossing”. Na
época acreditava-se que pelo fato de as flores possuírem tanto órgãos
masculinos e femininos, o fato de insetos carregarem o pólen era simples erro
do acaso. Porém, com a realização de diversos experimentos com orquídeas, tanto
por meio de autofecundação e fertilização entre diferentes indivíduos, assim
como por diversas observações a campo, ele demonstrou a importância dos insetos
na polinização. Em consequência também reuniu diversos dados demonstrando a
coevolução entre estes diferentes seres.
Para saber mais:
DESMOND,
A. & MOORE, J. A causa
sagrada de Darwin. Tradução
de Dinah Azevedo. Rio de Janeiro: Record, 2009.
Nenhum comentário:
Postar um comentário